EngenhariaA saga da construção
Há uma única unanimidade, o épico feito de erguer
uma metrópole do nada em menos de quatro anos

Ronaldo Costa Couto
Foto: Marcel Gautherot/Instituto Moreira Salles
|
SENADO FEDERAL Brasília - c. 1957 |
Rio de Janeiro, Copacabana, 1961. A carioquinha de 5 anos adora Brasília e JK é amigo de seu pai. Ela provoca a babá:
– Quem fez o céu?
– Foi Deus.
– E o mar?
– Foi Deus.
– E eu?
– Também foi Ele, menina. Foi Deus quem fez tudo.
– É. Mas Brasília foi o Juscelino.
Polêmica muito antes de nascer, apaixonadamente idolatrada ou execrada, Brasília produziu pelo menos uma unanimidade, talvez a única: sua construção no ermo goiano em apenas 43 meses, desde a primeira vez em que JK pôs os pés no cerrado, é um feito admirável. Do governo, da arquitetura e da engenharia, dos construtores e técnicos, do exército de candangos movido a necessidade.
Palácio do Catete, meados de setembro de 1956. O Congresso aprova o projeto de lei da construção de Brasília. JK comemora a notícia com lágrimas. Diz ao velho amigo Joubert Guerra, companheiro desde os tempos de prefeito de Belo Horizonte: "Hoje é o dia mais feliz da minha vida. E sabe por que o projeto foi aprovado? Eles pensam que não vou conseguir executá-lo".
O deputado oposicionista goiano Emival Caiado, entusiasta da mudança, havia lhe contado o acontecido nas entranhas udenistas. Só aprovaram porque concluíram que Brasília inacabada seria o túmulo político do presidente. Quando o udenista Adauto Lúcio Cardoso perguntou ao líder Carlos Lacerda se a capital ia mesmo mudar, ouviu: "Vai nada. Juscelino não é de nada. Isso aí vai é desmoralizá-lo, porque ele não dará conta".
Provocação e desafio. Brasília agora, além de prioridade, é questão de honra para JK. O sucesso e a velocidade da construção passam a ser parte de seu jogo de sobrevivência e afirmação política.
A aprovação do projeto, vitória fundamental, garante a criação da Novacap, empresa que comandará o planejamento, a urbanização e a construção com carta branca. Sancionado sem alarde, converte-se em lei em 19 de setembro de 1956. JK ganha ampla liberdade de ação para construir Brasília – ainda sem definição da data de inauguração.
Mas quem dirigirá a poderosa empresa? Precisa ser alguém confiável, identificado com a causa mudancista, experiente em obras, de pulso forte. Ou seja: precisa ser o enérgico engenheiro Israel Pinheiro da Silva, homem franco, de poucas palavras e sorrisos, e de muita ação. O problema é que ele e a família estão muito bem e felizes no Rio de Janeiro. Deputado federal, preside a cobiçada Comissão de Orçamento.
É complicado tirá-lo de lá para ir trabalhar e morar no mato. Complicado e constrangedor. Por duas vezes, JK esteve com ele, rodeou, rodeou, e não fez o convite. Era urgentíssimo, precisava dar um jeito. Acionou então o PSD mineiro. Logo inventaram um pretexto e costuraram um voo de Belo Horizonte ao Rio em que os dois ficariam à vontade. O pequeno avião decolou, passou Santos Dumont, Barbacena, Juiz de Fora, e nada. JK falava sobre política, governo, Minas, Diamantina, família, o tempo e o vento, mas não entrava no assunto. Depois de Petrópolis, quase chegando, Israel resolveu a parada: "Tá bem, Juscelino, você não precisa me convidar, eu aceito".
Israel é nomeado em 24 de setembro de 1956, juntamente com o diretor executivo Bernardo Sayão – o novo bandeirante de JK, vice-governador de Goiás e exímio engenheiro construtor de estradas – e o diretor administrativo Ernesto Silva. O quarto nome saiu de lista tríplice da UDN: o deputado mineiro Íris Meinberg. Chefe do Departamento de Urbanismo e Arquitetura: Oscar Niemeyer.